Conheça a rotina dos juízes antes de apitarem os jogos decisivos desde domingo
Wagner Vilaron - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Fim de tarde, início de noite de
sexta-feira, dia 20. Em um hotel da zona sul da capital, a equipe de
arbitragem escalada para trabalhar na partida entre São Paulo e
Bragantino, que definiria um dos semifinalistas do Campeonato Paulista,
encabeçada por Wilson Luiz Seneme, começa a chegar, um a um, ao local. O
check in no balcão representava o início de algo pouco comum para eles:
a concentração pré jogo.
A rotina da concentração de um clube grande é conhecida. Os jogadores
se apresentam e recebem uma carta com a programação de refeições,
treinos e palestras. No resto do tempo, ficam em seus quartos,
geralmente ocupados por duplas (algumas estrelas, caso de Ronaldo
Fenômeno, tinham o privilégio de ter um aposento individual).
Como os clubes costumam reservar andares inteiros para suas
delegações, as portas dos quartos ficam abertas a maior parte do tempo. O
que se vê é um entra e sai de jogadores nos apartamentos e um vaivém
sem fim pelo corredor. Enquanto em um quarto realiza-se o campeonato de
videogame, no outro o baralho rola solto, geralmente com pôquer. Há
também grupos divididos por gosto musical ou pela doutrina religiosa.
Mas e no caso dos árbitros, qual seria a rotina de atividades destes
importantes personagens de uma partida de futebol? Quais seriam suas
preocupações, estratégias de preparação, inseguranças antes de um
momento decisivo? Para chegar a estas respostas só mesmo por meio de um
mergulho neste universo conhecido até aqui apenas por aqueles que
assopram o apito ou levantam a bandeira.
O horário de apresentação no hotel é às 19 horas. Todos chegam um
pouco antes, fazem o registro de entrada, sobem para seus quartos e
arrumam as roupas e os equipamentos de trabalho. Por volta das 20 horas,
reúnem-se no restaurante para o jantar. Claro, alimentam-se, mas
degustar a comida é quase um pretexto para o prato principal: o
bate-papo, a troca de ideias.
Ajuda mental. É neste momento que começa, de fato, a preparação. Não
se trata se uma simples conversa. Sentado em uma cadeira posicionada
estrategicamente entre o árbitro principal, os auxiliares, os adicionais
de fundo e o quarto árbitro, está o psicólogo Gustavo Korte, que há
pouco mais de dois anos foi contratado pela Federação Paulista de
Futebol (FPF) para acompanhar e auxiliar a preparação da arbitragem.
Na maior parte do tempo, Korte observa as reações de seus
interlocutores. Atenta para os trejeitos, o tom de voz, o olhar. Às
vezes pode interferir na conversa para levantar um tema ou direcioná-la
para um ponto que considera importante ser avaliado.
O objetivo do psicólogo naquele momento é aguçar o poder de
concentração da equipe de arbitragem. “É neste momento que eles começam a
viver e pensar o jogo”, explica o profissional. “Vários temas surgem,
pois ajudam a descontrair, mas invariavelmente o papo chega ao jogo, ao
trabalho deles no dia seguinte. Essa troca de ideias e experiências
ajuda na concentração e no entrosamento.”
A reunião, que mais parece uma conversa entre velhos amigos,
estende-se até as 23 horas. Nos quartos, muitas vezes compartilhados, os
costumes são diferentes. “Há aqueles que, para relaxar antes de dormir,
gostam de falar com a família, assistir à televisão ou ouvir música.
Outros preferem estudar um pouco mais o jogo”, observa o instrutor de
arbitragem da FPF, Roberto Perassi.
Orientação técnica. Na manhã seguinte, dia do jogo, após o café da
manhã, é a vez de uma espécie de preleção, conduzida por Perassi. Nela, o
instrutor exibe diversos vídeos. Alguns mostram lances protagonizados
por aqueles que estão na plateia. Outros registram situações curiosas
que servem de exemplo daquilo que deve – ou não – ser feito em
determinadas situações de jogo.
“Esta situação (a concentração) é importantíssima. A arbitragem não é
profissional. Então eles (árbitros e auxiliares) costumam sair do
trabalho, correm para a federação, pegam o carro e vão para o estádio.
Não há tempo para pensar, analisar e estudar o jogo”, explica o
instrutor. “Aqui é diferente. Podemos parar, explicar, mostrar as
virtudes que devem ser mantidas e os erros que precisam ser corrigidos,
trocar ideias.”
Após a preleção, que dura, em média, duas horas, a equipe vai para o
almoço. Mais uma vez é hora de conversar. A diferença em relação ao papo
que envolveu a todos na noite passada é o tom um pouco mais sério.
Nota-se que ali já está instalada a ansiedade que naturalmente toma
conta do ser humano diante da iminência de exposição a um momento de
pressão.
Refeição concluída, chega o momento de checar o equipamento. Alguns
são itens pessoais, como os apitos, caneta, cartões e relógios no caso
do árbitros. Curioso é o cuidado dos auxiliares com as bandeiras
eletrônicas. Nem poderia ser diferente, afinal cada uma delas custa caro
– R$ 700,00. “Itens como uniforme, rádios e o kit com computador e
impressora para a elaboração da súmula eletrônica são fornecidos pela
federação”, explica o presidente da Comissão de Arbitragem da FPF,
Marcos Marinho. “Tentamos dar todo o apoio necessário para minimizar os
erros. Eles erram porque são seres humanos.”