Após a tragédia no jogo Vasco x Atlético/PR, a dúvida sobre quem foi o
responsável pela falta de segurança permanece. A segurança dos
torcedores, afinal, é de responsabilidade da Polícia Militar ou do clube
detentor do mando de campo?
Para responder a questão busca-se,
primeiramente, amparo no Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/03). O artigo
13 da referida norma dispõe que:“O torcedor tem direito a segurança nos
locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a
realização das partidas”. E continua, em seu artigo 14: “Sem prejuízo
do disposto nos artigos 12 a 14 da lei 8.078, de 11 de setembro de 1990,
a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da
entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus
dirigentes, que deverão: I – solicitar ao Poder Público competente a
presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados,
responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e
demais locais de realização de eventos esportivos”.
Os artigos 12 a
14 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), por sua vez,
tratam da responsabilidade civil pelo fato do produto ou do serviço,
revelando, então, a nítida relação de consumo estabelecida entre o
torcedor e o time promovedor da partida.
Caracterizada a relação
consumerista, fica evidente que é o fornecedor (time com mando de campo)
quem tem o dever de garantir a segurança do torcedor desde a sua
entrada no estádio até o momento em que o deixa. Dessa forma, todo e
qualquer dano sofrido por torcedor dentro do estádio deverá ser
indenizado pela entidade esportiva — salvo nos casos das exceções
previstas no Código de Defesa do Consumidor — independentemente da
segurança no local ter sido feita pela Polícia Militar ou por empresa
privada.
Sobre este último ponto, contudo, reside discussão sobre a
legalidade da segurança interna dos jogos de futebol ser feita pela
Polícia Militar, nos termos do artigo 14 do Estatuto do Torcedor.
De
acordo com a Lei Estadual 7.541/88, o particular, através do pagamento
da “Taxa de Segurança Preventiva”, poderá solicitar ao Estado o serviço
de segurança preventiva em eventos particulares. Diz o artigo 29 da
mencionada lei que “A taxa de Segurança Preventiva tem como fato gerador
a prestação efetiva, pela Polícia Militar, através de seus órgãos
subordinados, de serviço público de segurança preventiva em eventos de
caráter particular” prevendo, ainda, que “A taxa prevista neste artigo
será recolhida antes da prestação do serviço.”
Pois bem. Em que
pese o embasamento legal para a cobrança da taxa, o time que fez o
evento paga aos cofres públicos o montante de R$ 9,36 a hora trabalhada
do Policial Militar. Assim, temos que, em uma partida de futebol, onde
há, por exemplo, o deslocamento de aproximadamente 400 policiais para a
fazer a segurança interna, a Fazenda arrecada o montante de R$
22.464,00, à custa da redução da segurança pública da coletividade!
Foto: Blog do Sargento Tavares
A
contradição não existiria se uma das principais queixas dos comandantes
de policiamento do Estado não fosse a insuficiência de efetivo
(recursos humanos) e de equipamentos e viaturas (recursos materiais).
Como justificar a destinação copiosa de efetivo militar para evento
particular quando em inúmeros bairros não há policiais suficientes para
atender a um único chamado? Esta, a meu ver, é a discussão que se deve
levar ao debate público, pois, ainda que prevista legalmente, não
aparenta razoabilidade!
Vale frisar, por fim, que diferentemente
do que se tem propalado aos quatro ventos, o Ministério Público
Catarinense, na Ação Civil Pública (0045599-48.2013.8.24.0038), não pede
a proibição da Polícia Militar nos estádios de futebol, mas que se
acabe com o desvio de função, pois, conforme destaca: “O pagamento de
taxa não converte a atividade pública em privada, nem altera sua missão
precípua de prevenção e repressão dos crimes e manutenção da ordem
pública[1]”. A Promotoria de Justiça reprime, com razão, a destinação
de efetivo da Polícia Militar para realização de missões estranhas à
ordem pública como, por exemplo, “(...) a segurança pessoal ao árbitro
durante ou depois do espetáculo, contra a aproximação, xingamentos ou
interpelações por atletas ou comissão técnica protagonistas do
espetáculo; ingressar no gramado para forçar a saída de atleta expulso
do prélio; prender torcedor por arremessar objeto inócuo no gramado;
impedir torcedor de ocupar setor diferente daquele para o qual pagou
ingresso; guarnecer placar eletrônico (...) revistar todos os torcedores
que pretendem ingressar no estádio[2]”. Assevera, ainda, o MPSC, que:
“Estes são serviços que devem ser executados por segurança privada,
remunerada pelos promotores de qualquer evento aberto ao público
mediante o pagamento de entrada[3]”.
Infere-se, pois, que não se
pretende a proibição do aparato militar, mas que o efetivo atue no que
tange tão somente à “supervisão da segurança do evento, o eventual apoio
aos vigilantes privados para assegurar-lhes a integridade física ou
para intervir na prática de ato delituoso, no âmbito interno do estádio[4]”,
pois estas seriam as atividades compatíveis com a segurança pública,
respeitando-se, assim, os princípios da Constituição Federal.
Aliás,
tal modus operandi, amplamente utilizado na Europa e nos EUA, é
exigência da FIFA para a Copa do Mundo de 2014, inclusive presente no
seu Regulamento de Segurança. Consta no Planejamento Estratégico de
Segurança para a Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, elaborado pelo
Ministério da Justiça, que: “As forças de segurança pública permanecem
de sobreaviso e só intervêm quando há grave tumulto e se faça necessária
a manutenção da ordem pública, ou quando necessário o emprego do poder
de polícia, ou seja, só atuam dentro das instalações esportivas sob
demanda”(Item 09.1, p. 44). Nada mais adequado.
Fonte: www.conjur.com.br
[1] Ação Civil Pública 0045599-48.2013.8.24.0038[2] Ação Civil Pública 0045599-48.2013.8.24.0038
[3] Ação Civil Pública 0045599-48.2013.8.24.0038
[4] Ação Civil Pública 0045599-48.2013.8.24.0038
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