domingo, 13 de abril de 2014

"Falta a consciência da grandeza de uma Copa", afirma o árbitro Sandro Meira Ricci

Juíz brasileiro do Mundial conta como chegou até a competição, fala sobre polêmicas de arbitragem e a preparação para apitar o evento no Brasil.

"Falta a consciência da grandeza de uma Copa", afirma o árbitro Sandro Meira Ricci Caue Fonseca/ZH
Árbitro falou com a Zero Hora após treino puxado sob o sol de Brasília. Foto: Caue Fonseca / ZH
Caue Fonseca
ENTREVISTA
Começou com um balãozinho durante uma pelada a decisão de Sandro Meira Ricci de cortar relações com a bola, mas não com o futebol. O drible aplicado pelo amigo Luís Cláudio Cicci, que hoje faz as vezes de assessor de imprensa, e o tempo livre até a nomeação em um concurso público fizeram Sandro tentar a sorte no apito.
Pingando de suor, nas arquibancadas do Clube Vizinhança da Asa Sul, em Brasília, Sandro aponta:
– Foi ali naquele pilar que eu vi, em 2002, um cartaz sobre um curso de arbitragem. Quando tomei gosto, trabalhei por metas: primeiro apitar um jogo oficial, depois uma final, aí jogo internacional... Não parei mais.
A escalada na carreira atinge o ápice em junho, quando Sandro, aos 39 anos, será o árbitro brasileiro da Copa do Mundo do Brasil. Houve críticas à escolha. De quem acredita que o vigor físico pesou mais do que fatores técnicos. Sandro cordialmente discorda:
– São fatores indissociáveis. Estar bem fisicamente te permite estar menos cansado. Com mais oxigênio no cérebro para tomar decisões técnicas melhores.
O árbitro não descuida da preparação. Contando os jogos em que apita (desde 2012, pela federação de Pernambuco), Sandro realiza treinos físicos pelo menos cinco vezes por semana, nos intervalos do expediente como analista de Comércio Exterior no Ministério do Desenvolvimento (MDIC).
O bate-papo com ZH foi após um puxado treino de tiros curtos sob o sol do meio-dia.


Zero Hora – Você concorda com quem atribui a escolha do seu nome ao preparo físico?

Sandro Meira Ricci – O processo de escolha de um árbitro começa no fim da Copa anterior. A minha começou em 2011, quando ingressei no quadro da Fifa. Então, é resultado de uma observação de quatro anos baseada em quatro pilares: físico, técnico, mental e social. Vamos recebendo feedbacks. Privilegiar o lado físico significaria dizer que qualquer maratonista poderia ser árbitro. O lado técnico, que um excelente árbitro não precisaria correr. Não dá para dissociar um pilar do outro. Acredito que a minha força está em equilibrar os quatro pilares.

ZH – O que é o pilar social?

Ricci – São os idiomas que você fala, a pontualidade, a forma como trata jornalistas, gandulas, jogadores... Até mesmo a forma como você se porta em um jantar de confraternização. Claro que a Fifa não vai te dar um cursinho de etiqueta (risos), mas observa a forma como você se comunica.

ZH – Você teve algum receio de perder pontos nesse quesito pela decisão de processar Neymar (Ricci recorreu à Justiça após Neymar, em 2010, publicar em seu Twitter: “juiz ladrão, vai sair de camburão”. O árbitro, na ocasião, havia marcado um pênalti contra o Santos)?

Ricci – Não. Essa foi uma decisão de foro íntimo, e acredito que ela tenha sido respeitada. Não sou o árbitro Sandro. Sou Sandro, o árbitro. Toda a pessoa que se sente ofendida tem até uma obrigação de ir atrás dos seus direitos. Não vou ser árbitro depois dos 45 anos, mas vou continuar sendo o Sandro. É isso que todos esperam de mim, que eu nunca coloque a figura do árbitro à frente da minha honra.

ZH – O senhor venceu a ação e doou o dinheiro (R$ 15 mil) para instituições de caridade. Foi para passar uma mensagem?

Ricci – Vou ser bem honesto. O que quis demonstrar é que eu não estava fazendo isso por dinheiro. Pode parecer que eu tinha interesse em doar. O que não tinha era interesse de receber. Só de defender a minha honra.

ZH – Há uma crítica de que, em Copa, pelo esforço de convocar árbitros e auxiliares de muitos países, ocorrem mais erros do que em outros torneios de clubes de primeira linha. Ela faz sentido?

Ricci – Entendo a crítica, mas olha só. Por que não falam a mesma coisa das equipes? Se você comparar a quantidade de árbitros por continente com a de seleções, vai ver uma proporção semelhante. As 32 seleções não são as 32 melhores do mundo, são as melhores seleções distribuídas em continentes. Se fosse simplesmente para escolher o melhor time, não precisaria Copa, as próprias eliminatórias serviriam. Acontece que a missão da Fifa não é simplesmente organizar um torneio de futebol, é promover uma celebração entre povos. A escolha dos árbitros obedece a essa mesma lógica.


Sandro Meira Ricci como árbitro da Copa Sul-Americana  - Foto: Norberto Duarte/AFP

ZH – Será a primeira Copa com o uso de tecnologia (o chip que avisa aos árbitros se a bola entra no gol). Como você recebe essa novidade?

Ricci – Usamos no Mundial de Clubes e foi ótimo. A minha posição quanto a isso é semelhante à da própria Fifa: toda tecnologia é bem-vinda, desde que com 100% de precisão. Se não for 100% precisa, eu prefiro o julgamento humano. Já houve jogos em que fiquei em dúvida sobre uma bola ter entrado no gol ou não. Fui obrigado a tomar a decisão com os meus auxiliares. Só que, mesmo depois, vendo a imagem na TV, fiquei em dúvida. Nesse caso, o chip resolve.

ZH – O jogador brasileiro simula mais faltas do que os demais?

Ricci – Isso é um problema. Mas vejo evolução. Os próprios jogadores estão cooperando. Eles vêm sendo criticados mesmo quando levam vantagem ao ludibriar o árbitro, e isso é importantíssimo para a evolução do futebol. Tem uma palavrinha no emblema da Fifa que diz “fair play”. Não se trata apenas de fazer menos falta, mas de buscar o resultado mais justo, e não a vitória a qualquer preço.

ZH – Certa vez, quando Vanderlei Luxemburgo estava no Grêmio, ele criticou a sua escalação para um jogo pela maneira como expulsou o Kleber, na partida anterior, ainda no primeiro tempo. Dar palpite na arbitragem é uma tradição no Brasil?

Ricci – O importante é que tenha influência zero. Nunca soube de um caso de escala de arbitragem que tenha sido alterada em virtude de um técnico ou dirigente. Não falo especialmente no caso do Luxemburgo. Todos querem dar palpite sobre tudo em futebol.


Árbitro expulsa jogador Kleber durante jogo contra o Palmeiras, em 2012 -
Foto: Cesar Greco/Estadão Conteúdo

ZH – E a cera? Não dá raiva ver um jogador se contorcendo de dor, interromper o jogo, e vê-lo voltar lépido segundos depois?

Ricci – É preciso preparação para isso (risos). A CBF tem emitido circulares aos árbitros reforçando a regra e amparando decisões para coibir a cera.

ZH – Como foi apitar a final do Mundial de Clubes (Bayern de Munique x Raja Casablanca)? Foi o jogo mais marcante da sua carreira?

Ricci – Sem dúvida. O Brasil tem pedigree em futebol, e é um privilégio poder mostrar que isso se estende à arbitragem. Teve outros jogos. A final da Copa do Brasil, entre Coritiba e Palmeiras (2012), clássicos regionais como o Atletiba, Cruzeiro contra Atlético-MG. Falta o Gre-Nal. Já perdi dois sorteios! Já estive no Rio Grande do Sul em semana de Gre-Nal e achei uma loucura. Deu mais vontade de apitar.

ZH – Algum jogo o marcou negativamente? Por um erro?

Ricci – Prefiro não escolher um. Um árbitro toma 180 decisões durante a partida. É humanamente impossível acertar todas. Quando erro, minha estratégia é pensar: “o que eu poderia ter feito para estar mais preparado?” Se era para estar mais calmo, mais bem colocado, prestar mais atenção ao auxiliar... Se martirizar, não é comigo.

ZH – Como funciona a decisão de quem apitará os jogos da Copa?

Ricci – A única garantia que os árbitros têm é a de apitar um jogo da primeira fase. A partir daí, é uma Copa dentro da Copa, de acordo com o desempenho de cada um.

ZH – Estamos em tempos de protestos contra a Copa. Como o senhor vê essa questão?

Ricci – As pessoas têm o direito de protestar por melhores serviços públicos, contra o excesso de gastos... É da democracia. Mas, às vezes, acho que falta às pessoas a consciência da grandeza de uma Copa. Do impacto que um evento desse porte tem na autoestima de um país. Poxa, é algo incalculável. Sobretudo, poder vencer uma Copa em casa.

ZH – O senhor torce mais para que o Brasil vença ou para que o senhor apite a final?

Ricci – Para que o Brasil vença, claro. A alegria que eu vou ter pelo meu país é maior do que a minha realização pessoal.
Fonte: Zero Hora

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