quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ENTREVISTA

Paulo Bracks

Auditor defende o STJD de acusações e reafirma o poder da Justiça Desportiva





DIEGO MARRUL



No Brasil, a paixão pelo futebol é despertada muito cedo nos meninos, e, cada vez mais, em meninas também. Poucos transformam em realidade o sonho infantil de se tornar um jogador profissional, mas muitos usam o amor ao esporte para abraçar carreiras ligadas à modalidade. O auditor Paulo Bracks, integrante da Quarta Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), é um exemplo. Apaixonado por futebol, o jurista, que, aos 10 anos, já decorava escalações das mais diversas equipes, utiliza o conhecimento do assunto e uma memória invejável em prol da coerência dos julgamentos de que participa.
Em entrevista ao site Justicadesportiva.com.br, o auditor fala sobre questões importantes da legislação desportiva brasileira, como as mudanças no Estatuto do Torcedor e no CBJD. Para ele, os tribunais têm contribuído de maneira efetiva para disciplinar o futebol no país.


JD - Em linhas gerais, como o senhor avaliou as mudanças feitas no estatuto do torcedor?
Paulo Bracks – “Positivas, em tese. Temos de esperar a eficácia prática. A previsão de alguns crimes atende aos anseios de parte da sociedade. A penalização ao sempre presente cambista era uma reivindicação antiga dos torcedores. Há, ainda, a previsão de sanção penal para o criminoso travestido de torcedor que incita violência nos estádios ou promove tumultos. Até mesmo a invasão ao campo de jogo agora é crime. Mas, para tornar-se efetivo, como toda norma penal, o novo Estatuto vai precisar da indispensável cooperação da Polícia – prevenção e repressão –, do Judiciário – sanção adequada e justa –, e, principalmente, da ajuda do próprio e verdadeiro torcedor”.
JD – E quanto ao novo CBJD, quais são os pontos fortes e fracos, no seu modo de ver?
Paulo Bracks – “Pontos fortes: previsão de multas vultosas para infrações cometidas por dirigentes, em detrimento das ineficazes suspensões por dias; previsão de suspensão em partidas para técnicos, equiparando algumas condutas deles com as dos atletas; adequação da norma internacional de dopagem à nossa legislação; previsão expressa do uso da prova de vídeo para escudar denúncias em infrações graves. Pontos fracos: exemplificar algumas infrações disciplinares, tal como vemos nos artigos 250, 254 e 258. É como se o legislador penal tivesse de colocar, no crime de homicídio, algumas hipóteses caracterizadoras do ‘matar alguém’, como crivar de bala um corpo, desferir uma facada em região letal ou degolar alguém, dentre várias outras; a transação disciplinar. Não só está engatinhando, como proporciona situações peculiares, em razão da competência. Afinal, foge da celeridade que se busca na Justiça Desportiva a burocrática necessidade de subida dos autos da comissão disciplinar - quando o processo está pronto para julgamento - ao pleno, para, somente após nova pauta, em dia diverso, ocorrer a devida homologação”.
JD – Durante as sessões, o senhor apresenta uma memória incrível, lembrando de julgamentos realizados anos atrás, além de lances os mais diversos. Isso é importante para que seja mantida uma coerência nas decisões?
Paulo Bracks – “Sempre tive a esperança de que meu fanatismo pelo futebol trouxesse, um dia, retorno e aplicação prática. Minha devoção ao futebol veio cedo. Com 10 anos, criei o até então inútil hábito de decorar escalações das equipes, placares, transferências. Esta mania foi substituída, com o passar dos anos, pelo prazer em ler e estudar tudo que circunda o futebol. Desde a posse, além de manter ativa a ‘loucura’, tento sempre registrar na memória os processos e julgamentos dos quais participo. Pretendo continuar recorrendo a este meu arquivo enquanto ele quiser trabalhar! Isto, sem dúvida alguma, ajuda bastante nas decisões, pois a harmonia entre os julgados, penso eu, traz segurança às partes e advogados. Uma decisão coerente com a anterior contribui para a justiça, mas não podemos deixar de rever posicionamentos e interpretações. É assim que o direito cresce”.
JD – Um auditor do STJD deve ser um profundo conhecedor de futebol e seus atletas?
Paulo Bracks – “Dever? Não. Mas tem que gostar muito do esporte e do que faz. Temos a obrigação de conhecer as 17 regras do futebol, e, principalmente, interpretar situações de uma partida para adequá-las ou não como infrações ao CBJD, nossa ferramenta legal de trabalho. Conhecer os atletas também não é um pré-requisito para um auditor, pois ele deve sempre julgar a conduta, a ação ou omissão daquele jogador, jamais a pessoa ou o seu passado no esporte”.
JD – Os torcedores ainda têm uma grande resistência com relação ao tribunal. A que o senhor atribui isso?
Paulo Bracks – “Primeiro, à cega e ilimitada paixão pelos seus clubes. A emoção extrema, inerente ao futebol, permite a um torcedor distorcer lances, faltas, gols, interpretar erros de forma diferente. Com uma visão parcial, o STJD passa de um órgão judicante aplicador das normas de maneira impessoal para um tribunal que sempre beneficia um clube rival em detrimento do clube do coração. Enquanto a razão não tiver influência na análise emotiva, assim será a interpretação do torcedor. Segundo, à falta de informação sobre competência, estrutura, organização, funcionamento do tribunal e julgamento dos processos. Essa carência tem basicamente duas fontes: parte da imprensa que não informa corretamente, ensejando, assim, interpretações escudadas no ‘achismo’ e desrespeito aos profissionais que militam na Justiça Desportiva, e a própria falta de interesse do torcedor em buscar essa informação com quem, de fato, o faz corretamente. Na falta de conhecimento, surgem os ‘achocratas’ de plantão. O STJD não favorece ‘A ou ‘B’. Não há bairrismo. Não há interesses escusos. Não há favorecimentos. Basta ‘perder’ um pouco do tempo conhecendo o tribunal para ganhar essas informações”.
JD – O senhor acha que a Justiça Desportiva tem, efetivamente, contribuído para disciplinar o futebol brasileiro?
Paulo Bracks – “Sim. Os atletas já conhecem os tribunais e têm ciência de que toda e qualquer infração disciplinar por eles praticada terá a devida atenção da Justiça Desportiva. Atualmente, jogador não fica impune se agride o seu adversário, mesmo sem a visão e sanção do árbitro. Conhecer a norma é respeitá-la, e isto somente alcançamos com o passar do tempo. Os próprios jogadores pedem a intervenção do tribunal quando há algum fato dentro de campo que lhes causa algum tipo de indignação, pois sabem que a função da Justiça Desportiva não é ser somente um órgão aplicador de pena, mas, sim, ajudar o esporte a ser cada vez mais profissional, correto e disciplinado”.
Fonte: Justiça Desportiva

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