
Aumenta a pressão para que a entidade adote o uso de replays no futebol. Por José Antonio Lima, de Johannesburgo para a revista Época.
O 27 de junho de 2010 talvez fique marcado na história do futebol como o dia em que a campanha para que a Federação Internacional de Futebol (FIFA)) adote o uso de vídeos nos jogos ganhou corpo para mudar as regras do esporte. Em Bloemfontein e Johannesburgo, as duas partidas de oitavas de final da Copa do Mundo foram marcadas por erros flagrantes de arbitragem, que se não influenciaram diretamente os resultados, contribuíram muito para os rumos que as partidas tomaram. E aumentaram o coro para que os replays sejam usados no esporte. Um dos mais indignados com a arbitragem era o técnico da Inglaterra, Fabio Capello. O italiano, treinador mais bem pago entre os 32 que estão na Copa do Mundo, viu sua equipe, favorita ao título, naufragar diante da Alemanha no estádio Free State, em Bloemfontein. Quando perdia por 2 a 1, a Inglaterra aparentemente conseguiu o empate. A bola chutada por Frank Lampard encobriu o goleiro Manuel Neuer, bateu na trave e pingou dentro do gol. Muito dentro do gol. Todo o estádio viu, menos o árbitro uruguaio Jorge Larrionda e seu auxiliar, Mauricio Espinoza. "Era o momento mais importante do jogo", disse Capello. "Onde está a tecnologia? Se ela fosse usada, não estaríamos aqui falando sobre esse lance", afirmou.
Por muito pouco, o uso dos replays para auxiliar os juízes não se tornou realidade no jogo seguinte, entre Argentina e México, no Soccer City, em Johannesburgo. Na zona mista com a imprensa, após perderem por 3 a 1, os jogadores mexicanos não conseguiam disfarçar o abatimento. "Ficamos com caras de bobos", disse o volante Gerardo Torrado. "O gol estava claramente impedido, eles viram e não marcaram". "Eles" na frase de Torrado são o juiz Roberto Rosetti e o auxiliar Stefano Ayroldi, ambos italianos. Aos 26 minutos do primeiro tempo, eles não viram o claro impedimento de Carlos Tevez (ex-atacante do Corinthians), que fez 1 a 0 para a Argentina. Segundos depois do gol - em um caso de extrema desorganização - o telão do Soccer City mostrou o replay do gol e ficou óbvio para os 84 mil torcedores que a marcação do árbitro estava errada. Os jogadores do México pressionaram o auxiliar Stefano Ayroldi, mas após alguns momentos de tensão, Rosetti manteve o gol. Caso tivesse anulado a marcação, o árbitro italiano teria ferido as regras da Fifa e inaugurado o uso do replay para auxiliar a arbitragem.
No mundo do futebol, reclamações como as de ingleses e mexicanos são chamadas de "choro de perdedor". Mas essa é uma análise superficial. O goleiro mexicano, Oscar Perez, explicou que a tática de sua seleção era segurar o forte ataque da Argentina até quando fosse possível e, num contra-ataque, sair na frente. "Um gol muda tudo, muda o esquema, porque você tem que atacar e deixa espaços atrás", disse Perez. "Contra um time de tanta qualidade como a Argentina fica muito mais difícil", completou. Sete minutos depois do gol de Tevez, o zagueiro Ricardo Osório falhou feio e Gonzalo Higuaín fez 2 a 0 para a Argentina. "Nós nos desorganizamos, nos desorientamos, nos desconcentramos, e é evidente que o segundo gol é produto do primeiro", afirmou o técnico do México, Javier Aguirre. Com a Inglaterra, o mesmo ocorreu. Após sair perdendo por 2 a 0, a Inglaterra conseguiu dois gols seguidos. Se o segundo, de Lampard, fosse validado, o English Team provavelmente não teria sido surpreendido duas vezes pelo contra-ataque da Alemanha, que construiu assim uma goleada histórica por 4 a 1. "No nível em que jogamos, pequenos detalhem ditam o destino dos jogos", disse o capitão inglês, Steven Gerrard.
Os erros de Larrionda e Rosetti devem aumentar a pressão sobre a FIFA para que a entidade passe a usar os replays em lances polêmicos, como já é feito no tênis, no futebol americano no basquete. Os recursos eletrônicos são usados apenas no alto nível dos esportes e não de forma indiscriminada. Desde 2002, a NBA, a liga de basquete da América do Norte, passou a permitir que os juízes confiram se um arremesso foi feito antes ou depois do fim da posse de bola de determinado time. Em 2006, a Federação Internacional de Basquete adotou a mesma regra. No tênis, cada jogador tem direito a desafiar a marcação dos juízes três vezes em cada set. Se o jogador estiver correto, ele mantém o número de desafios. Se o jogador estiver errado, perde aquele desafio. No futebol americano, cada técnico tem direito a dois desafios por jogo e só pode usá-lo em situações específicas. Se estiver errado, o time perde um pedido de tempo.
Em março deste ano, a Fifa divulgou um documento descrevendo sua posição sobre o uso da tecnologia que fica numa linha tênue entre a ingenuidade e completo cinismo. De quatro argumentos levantados pela entidade, apenas um se sustenta, e ainda assim, parcialmente.
Primeiro é o da universalidade do futebol, a necessidade de que o esporte seja praticado sempre com as mesmas regras e equipamentos em todos os níveis. Ao alegar isso, além de esquecer que gramados, bolas, uniformes e chuteiras profissionais são muito mais avançados que os amadores, a Fifa se nega a ver a experiência de outros esportes. Não consta que o número de praticantes de tênis ou basquete tenha diminuído após as ligas profissionais usarem a tecnologia. A Fifa também alega que a tecnologia tiraria o aspecto humano do futebol, mas seria o próprio árbitro o responsável por avaliar o lance. É certo que muitas jogadas continuam duvidosas após muitas repetições, mas bastaria manter a marcação inicial em caso de dúvida. O futebol americano também dá uma lição à Fifa quando a entidade alega que o replay tiraria a natureza dinâmica do futebol. Duas paralisações de 60 segundos por tempo, por exemplo, parecem ser um preço justo por um resultado limpo. O único argumento da Fifa que se sustenta parcialmente é do alto valor da tecnologia. Nos 900 jogos das eliminatórias da Copa, seria inviável implantar um sistema de replays. Mas na própria Copa do Mundo, na Liga dos Campeões Europeus e em muitos campeonatos nacionais seria algo simples.
Após os erros de Jorge Larrionda e Roberto Rosetti, alguns sinais foram dados de que a pressão aumentará muito sobre a Fifa. Nas entrevistas após os jogos, pouco se falou sobre os árbitros, mas sim sobre o uso da tecnologia. O presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter, foi apontado como o principal responsável pelos erros por diversos comentaristas e um analista no Canadá chegou a chamá-lo de fóssil por não aceitar o uso dos replays. A campanha ficou tão grande em favor da adoção da tecnologia que a casa de apostas britânicas William Hill reduziu de 7/2 para 5/1 a probabilidade de que a Fifa use os replays na Copa do Mundo de 2014, no Brasil. No mundo do futebol, o consenso, que não inclui a Fifa, é de que errar é humano. E de que deixar os erros acontecerem é absurdo.
Fonte: Revista Época
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