segunda-feira, 30 de abril de 2012

Uma noite na concentração dos árbitros para a semifinal do Paulista

Conheça a rotina dos juízes antes de apitarem os jogos decisivos desde domingo

Wagner Vilaron - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Fim de tarde, início de noite de sexta-feira, dia 20. Em um hotel da zona sul da capital, a equipe de arbitragem escalada para trabalhar na partida entre São Paulo e Bragantino, que definiria um dos semifinalistas do Campeonato Paulista, encabeçada por Wilson Luiz Seneme, começa a chegar, um a um, ao local. O check in no balcão representava o início de algo pouco comum para eles: a concentração pré jogo.
Árbitros passam por palestra com psicólogo - Alex Silva/AE
Alex Silva/AE
Árbitros passam por palestra com psicólogo
A rotina da concentração de um clube grande é conhecida. Os jogadores se apresentam e recebem uma carta com a programação de refeições, treinos e palestras. No resto do tempo, ficam em seus quartos, geralmente ocupados por duplas (algumas estrelas, caso de Ronaldo Fenômeno, tinham o privilégio de ter um aposento individual).
Como os clubes costumam reservar andares inteiros para suas delegações, as portas dos quartos ficam abertas a maior parte do tempo. O que se vê é um entra e sai de jogadores nos apartamentos e um vaivém sem fim pelo corredor. Enquanto em um quarto realiza-se o campeonato de videogame, no outro o baralho rola solto, geralmente com pôquer. Há também grupos divididos por gosto musical ou pela doutrina religiosa.
Mas e no caso dos árbitros, qual seria a rotina de atividades destes importantes personagens de uma partida de futebol? Quais seriam suas preocupações, estratégias de preparação, inseguranças antes de um momento decisivo? Para chegar a estas respostas só mesmo por meio de um mergulho neste universo conhecido até aqui apenas por aqueles que assopram o apito ou levantam a bandeira.
O horário de apresentação no hotel é às 19 horas. Todos chegam um pouco antes, fazem o registro de entrada, sobem para seus quartos e arrumam as roupas e os equipamentos de trabalho. Por volta das 20 horas, reúnem-se no restaurante para o jantar. Claro, alimentam-se, mas degustar a comida é quase um pretexto para o prato principal: o bate-papo, a troca de ideias.
Ajuda mental. É neste momento que começa, de fato, a preparação. Não se trata se uma simples conversa. Sentado em uma cadeira posicionada estrategicamente entre o árbitro principal, os auxiliares, os adicionais de fundo e o quarto árbitro, está o psicólogo Gustavo Korte, que há pouco mais de dois anos foi contratado pela Federação Paulista de Futebol (FPF) para acompanhar e auxiliar a preparação da arbitragem.
Na maior parte do tempo, Korte observa as reações de seus interlocutores. Atenta para os trejeitos, o tom de voz, o olhar. Às vezes pode interferir na conversa para levantar um tema ou direcioná-la para um ponto que considera importante ser avaliado.
O objetivo do psicólogo naquele momento é aguçar o poder de concentração da equipe de arbitragem. “É neste momento que eles começam a viver e pensar o jogo”, explica o profissional. “Vários temas surgem, pois ajudam a descontrair, mas invariavelmente o papo chega ao jogo, ao trabalho deles no dia seguinte. Essa troca de ideias e experiências ajuda na concentração e no entrosamento.”
A reunião, que mais parece uma conversa entre velhos amigos, estende-se até as 23 horas. Nos quartos, muitas vezes compartilhados, os costumes são diferentes. “Há aqueles que, para relaxar antes de dormir, gostam de falar com a família, assistir à televisão ou ouvir música. Outros preferem estudar um pouco mais o jogo”, observa o instrutor de arbitragem da FPF, Roberto Perassi.
Orientação técnica. Na manhã seguinte, dia do jogo, após o café da manhã, é a vez de uma espécie de preleção, conduzida por Perassi. Nela, o instrutor exibe diversos vídeos. Alguns mostram lances protagonizados por aqueles que estão na plateia. Outros registram situações curiosas que servem de exemplo daquilo que deve – ou não – ser feito em determinadas situações de jogo.
“Esta situação (a concentração) é importantíssima. A arbitragem não é profissional. Então eles (árbitros e auxiliares) costumam sair do trabalho, correm para a federação, pegam o carro e vão para o estádio. Não há tempo para pensar, analisar e estudar o jogo”, explica o instrutor. “Aqui é diferente. Podemos parar, explicar, mostrar as virtudes que devem ser mantidas e os erros que precisam ser corrigidos, trocar ideias.”
Após a preleção, que dura, em média, duas horas, a equipe vai para o almoço. Mais uma vez é hora de conversar. A diferença em relação ao papo que envolveu a todos na noite passada é o tom um pouco mais sério. Nota-se que ali já está instalada a ansiedade que naturalmente toma conta do ser humano diante da iminência de exposição a um momento de pressão.
Refeição concluída, chega o momento de checar o equipamento. Alguns são itens pessoais, como os apitos, caneta, cartões e relógios no caso do árbitros. Curioso é o cuidado dos auxiliares com as bandeiras eletrônicas. Nem poderia ser diferente, afinal cada uma delas custa caro – R$ 700,00. “Itens como uniforme, rádios e o kit com computador e impressora para a elaboração da súmula eletrônica são fornecidos pela federação”, explica o presidente da Comissão de Arbitragem da FPF, Marcos Marinho. “Tentamos dar todo o apoio necessário para minimizar os erros. Eles erram porque são seres humanos.”

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