Não
se pode duvidar da importância do árbitro para uma partida de futebol.
Interpretações equivocadas, aplicação rigorosa ou complacente da regra,
enfim, variadas circunstâncias influenciam o resultado de uma
competição, a demonstrar a importância de uma arbitragem qualificada,
nada obstante a frequente utilização da tecnologia no esporte, como, por
exemplo, o “desafio” no tênis, que possibilita que a jogada seja
revista no intuito de se assegurar o acerto da marcação. É bem verdade
que no futebol a utilização da tecnologia ainda é um tabu, mas que
certamente se fará presente, em futuro breve.
Em muitas ocasiões a
arbitragem é decisiva para o resultado da competição, razão pela qual a
exigência que recai sobre o árbitro é enorme. Trata-se de um partícipe
do evento desportivo, cuja função é a de assegurar a regularidade da
competição, pois sua meta é a de garantir o cumprimento das regras
técnicas e disciplinares da modalidade.
Por esta razão é o que
Estatuto do Torcedor (Lei n.º 12.299/2010) é categórico ao afirmar em
seu artigo 30 que “É direito do torcedor que a arbitragem das
competições desportivas seja independente, imparcial, previamente
remunerada e isenta de pressões.”.
Nota-se, portanto, que a
atividade do árbitro é precedida de inúmeras exigências, que englobam
aspectos morais, intelectuais, físicos, dentre outros.
Em Portugal
a Lei 50/2007 define o árbitro desportivo como sendo quem, a qualquer
título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia
a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade
desportiva. Todavia, conforme contundente afirmação de Nuno Barbosa,
essa definição não seria adequada na medida em que o árbitro tem que
estar habilitado pela federação para exercer o seu ofício e este
credenciamento é certificado por um órgão federativo designado conselho
de arbitragem, o que revela que não basta a simples intenção de se
exercer a função.
Assim como outras atividades tão importantes
quanto a do árbitro de futebol, a profissionalização e a regulamentação
da profissão, a partir de um estatuto próprio, são fundamentais para o
regular funcionamento das partidas e das competições, devendo ser
lembrado que trata-se de uma atividade específica onde não existe
vínculo empregatício (conforme farta jurisprudência do Tribunal Superior
do Trabalho), mas sim uma prestação de serviços.
Os requisitos
dos arts. 2º e 3º da CLT estão ausentes para a configuração do vínculo
de emprego entre o árbitro e a federação de futebol, sendo que os
direitos do árbitro de futebol se restringem ao pagamento da remuneração
em relação a cada jogo que participar.
O
Projeto de Lei n.º 6.405/02 até tentou assegurar a relação de emprego
ao árbitro, mas diante da incompatibilidade do vínculo com a atividade
desempenhada, não empolgou a discussão.
Com efeito, não existe a
subordinação do árbitro de futebol com os clubes e nem com as entidades
de administração do desporto, tendo em vista a inexistência do poder
disciplinar (é até salutar que assim permaneça). Outrossim, as
penalidades impostas pelos Tribunais de Justiça Desportiva decorrem de
infração às regras do futebol, enumeradas no Código Brasileiro de
Justiça Desportiva.
O
maior beneficiário da profissionalização da atividade do árbitro é o
consumidor, devidamente amparado pelo Estatuto do Torcedor, que poderá
se assegurar da lisura da arbitragem e da adoção de critérios técnicos
que serão ministrados em escolas de arbitragem.
Breves considerações acerca do direito de arena
Não há como se falar do direito de arena sem deixar de
mencionar o direito de imagem, pois este é gênero e está diretamente
associado ao direito da personalidade, tendo em vista que a imagem,
juntamente com o nome, a honra, a liberdade, a privacidade e o corpo, é
um dos direitos da personalidade, que visam à proteção do ser humano e
das origens de seu próprio espírito.
Celso Ribeiro Bastos conceitua o direito de imagem como sendo “o direito de ninguém ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento.”
Na definição de Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli,
o Direito da Personalidade visa conferir proteção ao ser humano naquilo
que lhe é próprio e também às suas emanações e projeções para o mundo
exterior, sendo o Direito à Imagem, um direito da personalidade, sendo
classificado como um direito essencial, absoluto, oponível erga omnes,
geral, irrenunciável, imprescritível, inexpropriável, impenhorável.
Porém,
o direito de imagem possui uma característica peculiar que o difere dos
demais direitos da personalidade que é o conteúdo patrimonial, passível
de exploração econômica.
Desta forma, o árbitro de futebol, em
tese, pode ter a sua imagem passível de exploração eis que o instituto
está assegurado na Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXVIII e
no art. 20 do Código Civil Brasileiro também ampara o direito à imagem
da pessoa.
O Direito de Arena teve sua origem na lei de Direitos
Autorais e é uma espécie de direito de imagem (e neste está
compreendido), consistindo na veiculação da imagem do atleta enquanto
participante do espetáculo em jogos televisionados. É decorrente da
participação do profissional de futebol em jogos e eventos desportivos e
está diretamente relacionado com a prestação do trabalho do atleta no
período em que está em campo, se apresentando na “arena” e não apenas ao uso de sua imagem.
Pela
divulgação de sua imagem na “arena”, os atletas integrantes do
espetáculo, têm o direito de participar do rateio extraído do percentual
que, por imperativo legal, lhe é devido.
O instituto é definido por De Plácido e Silva
como “a faculdade da entidade a que estiver vinculado o atleta de
autorizar ou proibir a fixação, transmissão ou retransmissão de
espetáculo desportivo público, com entrada paga.”
Por outro lado, o
direito de arena limita-se a fixação, transmissão e retransmissão do
espetáculo desportivo, mas não compreende o uso da imagem dos jogadores
fora da situação específica do espetáculo.
A atual redação do art.
42 da Lei 9.615/98, modificada pela Lei n.º 12.395/2011, assim
disciplina o instituto, sendo que o art. 46 do Decreto n.º 7.984, de 8
de abril de 2013 estabelece que “para fins do disposto no § 1º do art.
42 da Lei nº 9.615, de 1998, a respeito do direito de arena, o
percentual de cinco por cento devido aos atletas profissionais será
repassado pela emissora detentora dos direitos de transmissão
diretamente às entidades sindicais de âmbito nacional da modalidade,
regularmente constituídas.”, sendo que “o repasse pela entidade sindical
aos atletas profissionais participantes do espetáculo deverá ocorrer no
prazo de 60 dias.”
Portanto, esses são os entendimentos
doutrinários acerca do direito de arena, bem como os dispositivos legais
que tratam do instituto.
Razões pelas quais os árbitros não fazem jus ao direito de arena
A previsão constitucional assegura a proteção à imagem de todo e
qualquer cidadão sem distinção, razão pela qual a imagem do árbitro
poderá ser objeto de exploração financeira, mediante celebração de
contrato de cessão para este fim, que poderá ser avençado entre o
próprio árbitro (ou empresa por ele constituída) e empresa que pretenda
veicular a imagem do contratado para fins de propaganda.
Em que
pese o fato do árbitro ser essencial para a partida, tal situação não
lhe assegura o direito de receber valor referente ao direito de arena,
na medida em que este, conforme definição legal, é assegurado
exclusivamente aos atletas, conforme firme previsão do parágrafo
primeiro do art. 42 da Lei Pelé que apresenta como destinatários,
exclusivamente, atletas profissionais participantes do espetáculo.
Apesar
da indispensabilidade de ostentar considerado preparo físico, o árbitro
não pode ser equiparado ao atleta para fins de recebimento da parcela
em comento.
E nem se argumente que sem a sua presença a partida de
futebol sequer tem início, pois na hipótese de não haver policiamento,
por exemplo, a partida também não será iniciada e tal fato não assegura o
recebimento do direito de arena por parte dos policiais que, assim como
os árbitros, são indispensáveis à realização do espetáculo e também
terão suas imagens televisionadas durante o evento desportivo.[8]
De
igual sorte, com muita frequência, os torcedores que comparecem aos
estádios e lotam as arquibancadas para ver o espetáculo, costumam ter
suas imagens captadas pelas câmeras, geralmente segurando cartazes ou
fazendo gestos para chamar a atenção da imprensa.
Ao citar Santos Cifuentes, o advogado Felipe Legrazie Ezabella[9]
diz que há limitação ao direito de imagem, podendo ser captada e
divulgada, quando se trata de fatos ou acontecimentos públicos que
ocorreram em público, como tumultos, inaugurações de monumentos,
desfiles militares, cortejos fúnebres de homens célebres, dentre outros.
Assim, a partida de futebol que é divulgada em toda a mídia para atrair
público pode e deve ser considerada como um evento destinado ao
público.
Nesta hipótese, também estamos diante de divulgação de
imagem durante a partida, mas que por razões óbvias não asseguram ao
torcedor o direito de receber o direito de arena, pois repita-se,
trata-se de verba devida exclusivamente ao atleta profissional que
participou do espetáculo.
Apoiado na doutrina e na prática desportiva, afirma Ezabella[10]
que o técnico, o massagista e o preparador físico “não são aptos a
receberem participação no valor a ser partilhado do direito de arena,
bem como suas aparições nos meios audiovisuais decorrem de suas
atividades laborais.”
Segundo Sérgio Ventura Engelberg[11],
o direito de arena “garante ao atleta participante do espetáculo ou
evento esportivo um percentual dos valores obtidos pela entidade
esportiva com a venda da transmissão dos jogos em que o atleta
efetivamente participa.”
É interessante destacar que o projeto
original da Lei de Direitos Autorais de 1973 assegurava a prerrogativa
“aos outros participantes figurantes do espetáculo e técnicos” da
participação na importância recebida a ser dividida proporcionalmente na
forma que fosse determinada pelo Conselho Nacional de Desportos. Caso
esta previsão tivesse prevalecido, poderia sim se defender a garantia do
direito de arena aos árbitros. Porém, não é esta a previsão legal
vigente em nosso ordenamento jurídico.
Um dos primeiros defensores
da tese de que o árbitro fazia jus ao direito de arena foi o ilustre
jurista Antônio Chaves que afirmava ser uma grande injustiça não
conceder esta rubrica ao árbitro de futebol, pois nem mesmo o vínculo de
emprego lhe era assegurado (entendimento que prevalece até os dias
atuais), sendo que o direito de arena seria devido não apenas aos
desportistas profissionais, mas deveria amparar todos aqueles que atuam
em um espetáculo, exteriorizando suas particularidades e habilidades,
cujo valor econômico teriam o direito de reivindicar quando suas
atuações fossem exploradas economicamente.
Além
disso, mencionava o autor, que, algumas vezes, os árbitros se
apresentavam com performance mais espetacular do que a grande maioria
dos atletas participantes do espetáculo, fato este que os consagravam
como verdadeiros artistas em suas especialidades.
De fato, no
Brasil, já houve um folclórico árbitro que, em razão de seus trejeitos
no momento de apitar uma falta ou aplicar um cartão à um jogador, se
comportava como um artista.
Porém, nada obstante o aspecto social
levantado pelo festejado jurista, na medida em que a previsão legal
contempla de forma específica quem são os beneficiários da parcela
referente ao direito de arena, não há respaldo jurídico para se defender
o pagamento da referida rubrica aos árbitros de futebol, mesmo
levando-se em consideração o importante papel desempenhado por este
profissional que tem o condão de influenciar no resultado das partidas.
Entendimento
contrário poderia, inclusive, provocar situações prejudiciais aos
campeonatos e competições, pois a sabedoria popular diz que o bom
árbitro é aquele que não “aparece”.
Portanto, são dois os
requisitos enumerados na legislação que asseguram o pagamento do direito
de arena: (i) ser atleta profissional e (ii) ter participado do
espetáculo.
Essa não é uma questão nova, devendo ser ressaltado
que no ano de 2006 houve uma tentativa de se cobrar o direito de arena
para os árbitros, mediante o ajuizamento de ação judicial, cujo desfecho
não poderia ser outro, senão a improcedência.
Naquela
oportunidade a juíza Kátia Torres, da 30ª Vara Cível do Rio de Janeiro,
negou o pedido de indenização do Saferj (Sindicato dos Árbitros
Profissionais do Estado do Rio de Janeiro) e do Safesp (Sindicato dos
Árbitros do Estado de São Paulo) pelo uso das imagens dos seus árbitros
associados, em campeonatos de futebol transmitidos na programação da TV
Globo, Globosat, Rádio e TV Record, tendo asseverado que “o árbitro e o
assistente que se propõem a atuar em uma partida de futebol já sabem, de
antemão, que suas imagens serão exibidas”.
De acordo com o órgão
judicante, os sindicatos alegavam que as emissoras obtêm lucros com as
transmissões das partidas sem jamais remunerarem os árbitros e que houve
utilização das imagens dos seus associados para fins comerciais, nos
últimos 20 anos, sem o devido consentimento, razão pela qual os autores
daquela ação pediram a condenação das emissoras, caso fossem exibidas
transmissões de jogos sem prévio aviso.
A referida magistrada
entendeu que não houve violação dos direitos do indivíduo e da própria
imagem e, tampouco, intromissões na vida privada dos árbitros, tendo
constado na decisão a seguinte assertiva. Verbis: “Sabemos que os
eventos esportivos, principalmente de futebol, despertam paixões e
atraem os torcedores, criando interesse pelos espetáculos transmitidos
pelas redes de televisão. O árbitro e o assistente que se propõem a
atuar em uma partida de futebol já sabem, de antemão, que suas imagens
serão exibidas”.
Desta forma, é possível se concluir que a
divulgação da imagem do árbitro durante a partida de futebol é inerente
aos serviços por ele prestados que sequer se revestem dos requisitos
inerentes ao vínculo empregatício.
Fonte: www.conjur.com.br
Por Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
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