segunda-feira, 31 de março de 2014

Webb: "Aquela final mudou minha vida"

O inglês Howard Webb é um homem comum. Tranquilo aos seus 44 anos, sorri e responde a tudo sem rodeios. Tanto, que custa acreditar que é a mesma pessoa que apitou a final da Copa do Mundo da FIFA África do Sul 2010 entre Espanha e Holanda. Pois, sim, é ele. "Aquele jogo mudou a minha vida por completo", reconhece na conversa que teve com o FIFA.com. No próximo mês de junho, ele estará de novo em um Mundial – agora, no Brasil.
Pai de três filhos adolescentes que, segundo ele, não demonstram muito, mas devem estar orgulhosos do seu trabalho, Webb passou pela sede da FIFA, em Zurique, na Suíça, para participar do seminário dirigido aos árbitros que apitarão na próxima Copa do Mundo. Aproveitando a oportunidade, o FIFA.com conversou com ele sobre vários assuntos: os seus inícios na profissão, as lembranças daquela fria noite em Johanesburgo e a difícil escolha que ele e todos os colegas terão que fazer durante a próxima competição: quem ele quer que vá mais longe, a sua seleção ou o seu trio de arbitragem?
FIFA.com: Como nasceu a paixão pela arbitragem? A maioria das crianças sonha em ser jogador de futebol, mas não muitos se animam com a ideia de apitar...
Webb:
Eu também sonhava em ser jogador! Se você falar com qualquer árbitro aqui, todos dirão que o futebol é a paixão deles. Por isso fazemos este trabalho. É verdade que os meninos sonham em ser jogadores, mas nós não somos diferentes. Tentei chegar lá, trabalhei muito, mas simplesmente não tinha o talento necessário para conseguir.
Em qual posição?
Eu era zagueiro central, por ser grande. Tinha uma boa visão de jogo, mas nunca fui muito bem no jogo aéreo... Acho que não era suficientemente bom. Pessoalmente, acreditava que os juízes eram homens velhos e carecas e por isso não me convencia de seguir essa profissão quando meu pai (um árbitro semiprofissional) me propôs isso. Pensei: "Não, não... Não é para mim". Pensando bem, talvez seja como os garotos de agora me veem! (Risos). Mas ele me incentivou, e quando eu tinha 17 anos, decidi tentar junto de um amigo da escola. Essa decisão acabou me levando à final da Copa do Mundo de 2010. Talvez de um jeito diferente do que eu tinha imaginado, mas me deu a possibilidade de chegar lá. Viajei por 44 países, cinco continentes... É incrível! Valeu a pena.
Quer dizer então que você recomenda?
Claro, qualquer pessoa que sentir paixão por este esporte deve considerar isso como uma oportunidade. Nem todos têm o talento natural para chegar ao ponto mais alto, mas se tiverem a atitude e o esforço necessários, se adorarem este esporte, poderão encontrar uma alternativa para chegar lá.
Como era a relação do Howard Webb jogador com os árbitros?
Costumava fazer o meu papel. Às vezes me pergunto como os jogadores conseguem opinar sobre a minha atuação quanto precisam estar tão concentrados no seu futebol. Sempre tive muito respeito pelos árbitros. Mas sabe de uma coisa? Até hoje, a relação que existe entre os jogadores e nós é muito boa. Eles confiam nos árbitros mais experientes porque os conhecem, já jogaram com eles várias vezes e entendem que às vezes cometemos erros. Isso também faz parte do jogo.
Se você tivesse que destacar uma coisa positiva e outra negativa do trabalho de árbitro, quais seriam?
O positivo é que estamos no melhor lugar para curtir o show, este esporte que adoramos. Não falamos muito nisso, mas é verdade: enquanto as pessoas compram um ingresso para assistir a um jogo, eu não pago... Simplesmente vou! É claro que trabalho duro para conseguir isso, mas tenho o melhor lugar para assistir. Já a pior parte é conviver com os erros, que são uma coisa inevitável. É difícil, sabe? A última coisa que eu quero é que as pessoas pensem que só apitamos o jogo, pegamos o avião de volta para casa e pensamos: "Pronto, acabou". Cada vez que cometemos um erro é doloroso, tem um impacto no destino de um time, de um jogador ou um técnico, e até mesmo na nossa reputação.
Não tem torcida pelo árbitro e ele só sai no jornal se cometeu um erro. É preciso uma personalidade especial para essa função?
Sim, é verdade. Outro dia li uma reportagem sobre um jogo que apitei. No fim, punham o meu nome e uma avaliação. Só duas palavras: "anonimamente competente". Pensei: "Perfeito". É o que todos queremos ser como árbitros: competentes de forma anônima. Mas o jogo nem sempre acontece de um jeito em que podamos nos manter anônimos. Às vezes você precisa aparecer. Por isso, é uma satisfação enorme sair do estádio sabendo que não teve complicação. Você volta para casa se sentindo o máximo. Mesmo se ninguém falar, você sabe que contribuiu.
                Da esquerda para à direita, Mike Mullarkey,  Howard Webb e Yuichi Nishimura 
E quanto à final entre Espanha e Holanda na África do Sul? Qual é maior lembrança daquela noite em Johanesburgo?
É a de caminhar em direção ao gramado, pegar aquela (bola) Jabulani dourada e passar ao lado da taça da Copa do Mundo. Já a tinha visto muitas vezes na minha vida, na TV ou as réplicas, mas estar diante da verdadeira... É a peça de metal mais brilhante que já vi na minha vida! Uma estátua de ouro com o mundo em cima, aquela base verde... É incrível.
Dava vontade de erguê-la?
Sim! (Risos). Seria o meu sonho fazer isso como capitão um dia. É uma grande honra ter podido estar lá. É só falar disso que os meus pelos – não os da cabeça, que aí não tenho, mas os da nuca – se arrepiam. Foi fantástico. Aquela final mudou a minha em todos os sentidos.
Quantas vezes você voltou a vê-la?
Quer saber? Uma. Uma única. E esperei um mês para fazer isso. Chamei um amigo em casa e vimos o jogo inteiro. Queria guardá-lo na memória, pelo que aquele momento representou. Por isso não vi mais. Foi um jogo difícil, mas acho que foi melhor do que eu senti enquanto ele estava acontecendo. Eu estava muito concentrado no trabalho naquela noite. Agora, guardo aquilo na minha cabeça e no meu coração.
Você deve ter muitas histórias daquela noite. Pode contar alguma, agora que já passou tanto tempo?
Tenho várias, claro... (Pensa). Eu me lembro de estar saindo de campo para procurar o meu pai, que estava na arquibancada. Foi ele quem me iniciou neste caminho... Ele estava com uma bandeira da Inglaterra e me disse: "Você não sabe jogar, mas sabe apitar". Foi demais! (Solta uma gargalhada).
Depois de ver o jogo em vídeo, mudaria alguma decisão?
Talvez uma ou dois, pode ser. Mas na hora você tem que apitar com base na informação que tem e o ângulo no qual se encontra. Foi um jogo duro, difícil. Você aprende com essas situações. Eu preferiria que nós não tivéssemos nos envolvido tanto no jogo. Sempre queremos que as pessoas comentem sobre como a partida foi incrível, sobre os gols... Mas aquele foi um encontro muito intenso e equilibrado. É assim, você tem que lidar com aquilo que aparece, fazer o que acha que é melhor e com a melhor das intenções. E foi o que fizemos.
Se a Inglaterra avançar na Copa do Mundo, as suas chances de apitar as fases finais diminuirão. Como lida com essas situações durante o torneio?
Somos apaixonados por futebol e é lógico que queremos que a nossa seleção vá bem. Sabemos que, se isso acontecer, se a Inglaterra ganhar a Copa do Mundo, haverá um impacto positivo enorme para o nosso futebol. A melhor maneira de encarar isso é não pensando muito, porque não podemos controlar. Tudo é lucro: se a Inglaterra for bem, vou comemorar. Se não for, então será uma boa oportunidade para nós. Iremos ao Brasil realmente esperando que a nossa seleção faça o melhor possível. Se ela chegar longe e nós tivermos que voltar para casa... Bom, desde que tenhamos feito um bom trabalho, estaremos satisfeitos.

Fonte: Fifa.com

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