Após a série de graves lesões na cabeça ocorrida durante os jogos da
última Copa do Mundo no Brasil, a Fifa, a entidade diretora do futebol
mundial, refuta as acusações de não estar levando a sério a saúde dos
jogadores. Recentemente ela lançou um estudo pioneiro na liga suíça. Christoph
Kramer, Javier Mascherano e Pablo Zabalet: todos eles jogaram apesar de
lesões cabeça, que os deixaram atordoados e confusos. Todavia, foi o
traumatismo craniano sofrido por Álvaro Pereira da Seleção do Uruguai e atual atleta do São Paulo FC., que gerou críticas acentuadas em grande parte da mídia.
Pereira descreveu o acidente, quando o joelho de um jogador oponente atingiu a sua cabeça, foi
como "se as luzes tivessem sido apagadas". Após discutir com o médico
da equipe, ele recebeu a permissão de continuar a jogar. O incidente
impeliu imediatamente a FIFPro (Federação Internacional dos Jogadores
Profissionais de Futebol), a clamar por novas medidas de proteção.
Raymond Beaard, porta-voz da FIFPro, declara em relação ao ferimento de Kramer
que o médico-chefe da organização ficou "chocado, para não dizer outra
coisa" ao ver na repetição em vídeo o incidente. Sua conclusão foi a de
que "claramente" o jogador não estava mais em condições de continuar participando da partida.
"Nossa crítica é por termos a impressão de nenhuma
medida concreta ter sido tomada no momento para proteger a saúde do
jogador", afirma Beaard.
"No passado as pessoas iriam aplaudir se
um jogador com uma lesão na cabeça retornasse ao gramado usando uma
bandagem. Mas o futebol mudou dramaticamente nos últimos vinte a trinta
anos: ele se tornou mais rápido e mais físico, o que faz com que o
impacto de uma colisão seja muito mais intenso do que antigamente. Ao
mesmo tempo, a medicina evoluiu. Agora sabemos mais das consequências
das lesões na cabeça e sobre o traumatismo craniano, além dos riscos
envolvidos."
Críticas "não apropriadas"
Todavia, a Fifa refuta as críticas de estar considerando trivial a questão da saúde dos jogadores. "É
muito difícil fazer um diagnóstico a partir de imagens de televisão, o
que pode ser enganoso", responde Jiri Dvorak, médico-chefe da Fifa e
consultor sênior na Clínica Schulthess, baseada em Zurique.
"Pegue
o exemplo do Christoph Kramer. Quando um acidente ocorre, obviamente os
espectadores já haviam assistido pela televisão. Porém o árbitro e os
médicos não podem vê-lo quando correm ao jogador, que normalmente os
assegura que está tudo em ordem", afirma.
"A equipe de médicos da
seleção alemã é muito experimentada e o quadro de Kramer não apresentava
nenhum sintoma ou sinais. Assim ele foi autorizado a continuar jogando.
Porém, dez minutos depois, ele percebeu que alguns sintomas estavam
aparecendo, o que não é algo incomum nesse espaço de tempo. Assim pediu
para procurar os médicos."
Seria a crítica injusta? "A Fifa tem
vinte anos de experiência na realização de estudos, para ver o que pode
ser feito para tornar o jogo mais saudável e promovê-lo como uma
atividade saudável de lazer. Eu não utilizaria a palavra 'injusta', mas
diria muito mais 'inapropriada'."
Dvorak assegura, ao mesmo tempo,
que a Fifa leva "extremamente a sério" a questão de lesões na cabeça,
apontando extensos estudos realizados entre 2001 e 2005. Nele foram
analisados casos de colisões cabeça contra cabeça, cabeça contra bola e
cabeça contra cotovelo.
Em 2006, esses estudos levaram à
introdução de uma nova regra: jogadores que tenham batido
deliberadamente com seus cotovelos na cabeça de um oponente devem ser
expulsos. Segundo a Fifa, essa regra teria cortado pela metade o número
de graves ferimentos na cabeça no âmbito de jogos de futebol.
Estudo suíço
De
fato, o futebol envolve mais o uso da cabeça do que sugere seu nome
original (do inglês foot, pé; e ball, bola): de acordo com a Fifa 13%
de todas as lesões ocorridas em Copas do Mundo envolvem a cabeça e o
pescoço, com cerca de uma em cada sete lesões resultando em traumatismo
craniano.
Um documentário de 2012, intitulado "Head Games: a crise
global do traumatismo craniano", examinou os efeitos de traumatismos
repetidos, particularmente no esporte. Ele focava o futebol americano,
hóquei no gelo, mas também o futebol, boxe, lacrosse e luta.
Assim como a prevenção, também é crucial determinar o tratamento mais
apropriado para os atletas de futebol após uma lesão na cabeça. Com
isso em mente, pesquisadores do Departamento de Neurologia do Hospital Universitário de Zurique e da Clínica Schulthess lançaram um projeto colaborativo com a Fifa.
O
projeto suíço de traumatismo craniano envolve todos os jogadores
masculinos e femininos nas principais ligas da Suíça da temporada de
2014/15. Cada liga tem dez equipes, com aproximadamente 520 jogadores
sendo avaliados, no total.
"Eles terão exames básicos do seu
sistema neurológico, incluindo equilíbrio, coordenação, movimentos dos
olhos e desempenho neuropsicológico", explica Nina Feddermann-Demont,
chefe do projeto.
"No caso de um ferimento na cabeça, faremos
teste de seguimento. As diferenças os resultados básicos e os resultados
após o ferimento são fundamentais para determinar o quão rápido os
jogadores podem retornar aos treinos e jogar. A disponibilidade dos
dados básicos é crucial para determinar o impacto da lesão na cabeça,
pois a maior parte das funções neurológicas - como o tempo de reação,
velocidade e equilíbrio - diferem de jogadores para jogadores", diz.
"Temos
um hotline que funciona todos os dias, 24 horas por dia, para a equipe
de médicos. Para nós é essencial trabalhar de forma estreita com
eles. Afinal, eles são as pessoas fora do campo e conhecem os jogadores.
Normalmente eles nos telefonam ou enviam um e-mail quando ocorre uma
lesão na cabeça. Então nós oferecemos testes de seguimento, que incluem a
repetição dos testes básico no espaço de 72 horas."
Pôr fim à caça às bruxas
Outro
problema potencial é a disseminação de ações populares como as que
atualmente pairam sobre o futebol americano e a National Football League
(em português: Liga Nacional de Futebol Americano; abreviação oficial:
NFL).
Mais de 4.500 ex-jogadores ou seus familiares moveram uma
ação de 765 milhões de dólares devido aos casos de traumatismo craniano.
Porém, em janeiro, um juiz federal negou um acordo, temendo que o valor não seja suficiente para cobrir a demanda de 20 mil jogadores aposentados.
Por
sua parte, Raymond Beaard afirma que a FIFPro não está pensando em
medidas legais. "Estamos apenas falando sobre a saúde dos jogadores.
Essa é uma questão que necessita ser resolvida sem a ameaça de
processos, pois a saúde dos jogadores deve ser a prioridade número um,
nada mais do que isso."
O que vai resultar do estudo suíço ou das
reivindicações da FIFPro não se sabe, mas Beaard afirma esperar que os
eventos ocorridos no Brasil não se repitam na Copa do Mundo de 2018 na
Rússia.
"Não é que a gente esteja fazendo uma caça às bruxas: a
única coisa que queremos é poder assistir um jogo de futebol sem temer
que um jogador vá cair e não se levantar mais, ou sofrerá lesões de
grande duração como resultado de um erro como ele, ou ela, serão
tratados."
Fonte: http://www.swissinfo.ch
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